A decisão do Supremo Tribunal Federal de negar a extradição do ex-militante e escritor italiano Cesare Battisti, e de lebertá-lo da prisão, tomada no dia 8, envolveu três questões cruciais. Duas delas apareceram de forma explícita em manifestações dos juízes do STF: o respeito à soberania nacional e à separação constitucional entre os três poderes. A outra, implícita em todo o processo, é o julgamento da resistência italiana da década de 1970, que envolveu desde a luta política de massas até a luta armada, assim como as leis de exceção adotadas pelo estado italiano contra os grupos de esquerda.
De origem comunista, Cesare Battisti trocou o PCI por organizações italianas da chamada Autonomia Operária nas décadas de 1960 e 1970, juntando-se depois ao grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). Foi preso várias vezes e, em 1987, condenado a prisão perpétua, à revelia, acusado pelo assassinato de quatro pessoas, entre eles militantes neofascistas e um carcereiro acusado de torturas contra presos políticos.
Os indícios de irregularidades e desrespeito à lei naquele processo são gritantes, e estão entre os fundamentos da decisão brasileira de acolher Battisti como refugiado político. O acusado nega as acusações e denuncia o cerceamento pela justiça italiana de seu direito de defesa. O tribunal aceitou, diz ele, procurações falsas apresentadas pelo advogado nomeado para defendê-lo, e que a responsabilidade pelos crimes foi atribuída a ele por outro acusado, que falou sob tortura e depois foi beneficiado pela delação premiada.
O mais grave, e que acentua a suspeita sobre a lisura do procedimento judicial italiano, é o fato de o processo ter sido conduzido com base nas chamadas “leis especiais” que vigoraram entre 1974 e 1982 aplicadas contra militantes de esquerda e que acobertaram torturas e ilegalidades contra os acusados.
Há um forte consenso entre juristas democráticos contra aquelas leis de exceção; o italiano Ítalo Mereu, por exemplo, declarou ser um “equívoco fingir salvar o Estado de Direito, transformando-o em Estado policial". O Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura (CPT) denunciou a “extrema dureza” da legislação italiana, que condenou por desrespeito à Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Ela também foi questionada por peritos independentes da União Europeia para questões de Direitos do Homem, que a consideraram incompatível com a legislação europeia antitortura.
É a esta legislação questionada que a direita se apega – na Itália, na França, que havia extraditado Battisti para a Itália durante o governo do direitista Jacques Chirac, e na imprensa brasileira – para pleitear o cumprimento da sentença contra Battisti. Sua condenação não se dirige apenas a ele pessoalmente mas principalmente à opção revolucionária à qual aderiu há mais de trinta anos e da qual foi militante.
As outras questões se referem à relação soberana entre as nações e, no cenário brasileiro, entre os poderes da República. Entidades brasileiras de juristas apoiaram de forma unânime a decisão do STF justamente pelo respeito a estas relações de autonomia. Entre os que se manifestaram favoravelmente estão os juristas Nelson Calandra, presidente da AMB (Associação dps Magistrados Brasileiros), Paulo Luiz de Toledo Piza, doutor em direito internacional pela USP; Ophir Cavalcante, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e Gabriel Wedy, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil).
Battisti foi preso no Brasil em 2007, onde vivia clandestinamente. Em 2009, o governo do presidente Lula concedeu-lhe o status de refugiado político, baseado no "fundado temor de perseguição por suas ideias políticas". Quando o governo italiano recorreu ao STF contra esta decisão, o Supremo acolheu o pedido em tese condicionando a extradição à redução da pena de Battisti pela justiça italiana, mas deixou a decisão final para o presidente Lula. Fazia sentido: afinal, em questões dessa natureza, que envolve disputas entre o Brasil e uma nação estrangeira, a Constituição federal atribui a palavra final ao presidente da República, que é quem tem a prerrogativa de falar pelo Estado brasileiro em questões internacionais. Quando Lula, no apagar das luzes de seu governo, decidiu favoravelmente a Battisti, a polêmica internacional reacendeu-se, mas com pouco amparo no tratado de extradição assinado em 1989 com a Itália, que prevê a troca de criminosos procurados mas exclui de sua abrangência os acusados por crimes políticos ou se houver "razões ponderáveis para supor" que o condenado possa ser vítima de perseguições de natureza política em seu país de origem.
O entendimento do STF no julgamento que liberou Battisti foi o de que não cabe àquela corte contestar a decisão soberana de um presidente da República, justamente pela exigência constitucional de independência e respeito entre os três poderes, e que ela – em respeito à soberania nacional – não pode ser contestada por um governo estrangeiro. A decisão tomada pelo ex-presidente Lula, disse o ministro Ricardo Lewandowski, não podia ser questionada, pois manifestou “a vontade soberana do Estado brasileiro”. Ganha o Brasil e perde a direita brasileira e europeia que ambicionam transformar Battisti em um troféu contra a luta dos trabalhadores e dos povos. (Editorial do Vermelho)
De origem comunista, Cesare Battisti trocou o PCI por organizações italianas da chamada Autonomia Operária nas décadas de 1960 e 1970, juntando-se depois ao grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). Foi preso várias vezes e, em 1987, condenado a prisão perpétua, à revelia, acusado pelo assassinato de quatro pessoas, entre eles militantes neofascistas e um carcereiro acusado de torturas contra presos políticos.
Os indícios de irregularidades e desrespeito à lei naquele processo são gritantes, e estão entre os fundamentos da decisão brasileira de acolher Battisti como refugiado político. O acusado nega as acusações e denuncia o cerceamento pela justiça italiana de seu direito de defesa. O tribunal aceitou, diz ele, procurações falsas apresentadas pelo advogado nomeado para defendê-lo, e que a responsabilidade pelos crimes foi atribuída a ele por outro acusado, que falou sob tortura e depois foi beneficiado pela delação premiada.
O mais grave, e que acentua a suspeita sobre a lisura do procedimento judicial italiano, é o fato de o processo ter sido conduzido com base nas chamadas “leis especiais” que vigoraram entre 1974 e 1982 aplicadas contra militantes de esquerda e que acobertaram torturas e ilegalidades contra os acusados.
Há um forte consenso entre juristas democráticos contra aquelas leis de exceção; o italiano Ítalo Mereu, por exemplo, declarou ser um “equívoco fingir salvar o Estado de Direito, transformando-o em Estado policial". O Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura (CPT) denunciou a “extrema dureza” da legislação italiana, que condenou por desrespeito à Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Ela também foi questionada por peritos independentes da União Europeia para questões de Direitos do Homem, que a consideraram incompatível com a legislação europeia antitortura.
É a esta legislação questionada que a direita se apega – na Itália, na França, que havia extraditado Battisti para a Itália durante o governo do direitista Jacques Chirac, e na imprensa brasileira – para pleitear o cumprimento da sentença contra Battisti. Sua condenação não se dirige apenas a ele pessoalmente mas principalmente à opção revolucionária à qual aderiu há mais de trinta anos e da qual foi militante.
As outras questões se referem à relação soberana entre as nações e, no cenário brasileiro, entre os poderes da República. Entidades brasileiras de juristas apoiaram de forma unânime a decisão do STF justamente pelo respeito a estas relações de autonomia. Entre os que se manifestaram favoravelmente estão os juristas Nelson Calandra, presidente da AMB (Associação dps Magistrados Brasileiros), Paulo Luiz de Toledo Piza, doutor em direito internacional pela USP; Ophir Cavalcante, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e Gabriel Wedy, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil).
Battisti foi preso no Brasil em 2007, onde vivia clandestinamente. Em 2009, o governo do presidente Lula concedeu-lhe o status de refugiado político, baseado no "fundado temor de perseguição por suas ideias políticas". Quando o governo italiano recorreu ao STF contra esta decisão, o Supremo acolheu o pedido em tese condicionando a extradição à redução da pena de Battisti pela justiça italiana, mas deixou a decisão final para o presidente Lula. Fazia sentido: afinal, em questões dessa natureza, que envolve disputas entre o Brasil e uma nação estrangeira, a Constituição federal atribui a palavra final ao presidente da República, que é quem tem a prerrogativa de falar pelo Estado brasileiro em questões internacionais. Quando Lula, no apagar das luzes de seu governo, decidiu favoravelmente a Battisti, a polêmica internacional reacendeu-se, mas com pouco amparo no tratado de extradição assinado em 1989 com a Itália, que prevê a troca de criminosos procurados mas exclui de sua abrangência os acusados por crimes políticos ou se houver "razões ponderáveis para supor" que o condenado possa ser vítima de perseguições de natureza política em seu país de origem.
O entendimento do STF no julgamento que liberou Battisti foi o de que não cabe àquela corte contestar a decisão soberana de um presidente da República, justamente pela exigência constitucional de independência e respeito entre os três poderes, e que ela – em respeito à soberania nacional – não pode ser contestada por um governo estrangeiro. A decisão tomada pelo ex-presidente Lula, disse o ministro Ricardo Lewandowski, não podia ser questionada, pois manifestou “a vontade soberana do Estado brasileiro”. Ganha o Brasil e perde a direita brasileira e europeia que ambicionam transformar Battisti em um troféu contra a luta dos trabalhadores e dos povos. (Editorial do Vermelho)
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